domingo, abril 23, 2006

Adeus

"Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertamos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas;
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
È pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras
quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração
Não temos já nada para dar
Dentro de ti
não há nada que me peça àgua
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus."

Eugénio de Andrade, Palavras Interditas


Dois amantes...um momento que os une para sempre...os momentos pertencem a quem os viveu e somente...os momentos perduram no infinito do universo.


1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Interesting website with a lot of resources and detailed explanations.
»

11:45 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home